BEM FEITO
Essa é boa!
Eu sempre desço do ônibus em um ponto próximo onde trabalho. Todos os dias faço isso. Rotina pura. Todavia, algo chamara minha atenção já há algum tempo: Uma figura que ali sempre estava. Não sabia como qualificá-la; Mendigo, maluco, maluco-mendigo, mendigo-maluco, sei lá! Mas sei descreve-la: Era um homem (Ou um espectro) de cabelos longos, barba comprida, veste esfarrapada e pele coberta de imundície. Estava sempre falando. Não diria exatamente falando. Diria, sussurrando, já que era impossível ouvi-lo. Mas mesmo com essa aparência deplorável tinha algo nele digamos assim, puro. Era o seu olhar. Ele transmitia paz, tolerância, bondade e sabedoria. - Meu deus! (Exclamei também sussurrando) Ele parece com Jesus Cristo! Aquele cabelo, aquela barba, aquele olhar... Mas como isso é possível? Ele é um mendigo, um maluco, ou sei lá o quê. E eu comparando-o com Jesus Cristo. Isso é uma blasfêmia. Jesus que me perdoe! E todos os dias eu saltava, o olhava e, ia embora. Mas sempre com vontade de parar e falar com ele. Queria descobrir o que havia por trás daquela mistura de divindade e nojeira, incorporadas naquele cidadão incomum. Mas ficava receioso de ir ao seu encontro, porque haviam outras pessoas sempre por perto. E o quê pensariam se me vissem conversando com ele? Pensariam, por certo, que eu era missionário evangélico, ou louco. Eu hein! Então eu descia da condução, o via e ia embora. Um dia eu estava chateado com tudo e com todos, então, decidi ir ao seu encontro e cumprimentá-lo, sem me importar com o que pensariam. Saltei do ônibus, olhei para um lado, olhei para o outro e aproximei-me. Preparei um sorriso e dirigi-lhe a palavra: - Diga aí, meu amigo, tudo bem? Sem interromper os sussurros, sem olhar para mim e demonstrando irritação, ele gesticulou com a mão direita sugerindo que eu saísse. Encabulado, porém, decidido, insisti: - Qual é o seu nome? Isso o irritou ainda mais. Sua gesticulação ficou mais agressiva e já não sussurrava. Emitia desconexas, porém, contundentes palavras. Desapontado, dei meia-volta e parti deixando-o em paz. Enquanto caminhava em direção ao trabalho, fiquei refletindo sobre o que acabara de ocorrer. Por que ele falaria comigo, afinal? Por que permitiria que eu invadisse seu mundo? Aquele ponto de ônibus era seu lar. Provavelmente, num raro momento de lucidez, convenceu- se de que eu estava cheio de más intenções. Pensou, talvez, que eu o tiraria dali e o levaria a algum lugar, o confinaria, lhe vestia uma camisa esquisita, lhe aplicaria uma injeção estranha, dolosa e, por fim, tentaria trazê-lo de volta para esse mundo do qual não se ajusta. Acho que ele é como um pássaro, um peixe, ou um animal selvagem. Quando vir o homem, foge. Seu instinto lhe avisa de que o homem representa ameaça e destruição. Não deveria tê-lo assustado, BEM FEITO!
Francisco Piedade
Enviado por Francisco Piedade em 31/10/2009
Alterado em 24/03/2017 |