RESIGNAÇÃO.
Boa noite, morte!
Estava à tua espera; Sei que veio buscar-me, Mas eu não me importo; Não me importo se me levarás para teu mundo misterioso E se me tiras desse mundo cruel, Eu não me importo. Olhe para os meus olhos: Logo se fecharão para sempre, porém, eles não se importam. Já viram o cúmulo dos horrores, Mas também as sete maravilhas da vida. Vejas a minha boca que mais tarde a calará, Todavia, ela não se importa; Já foi amordaçada pela opressão; Tapada pela covardia; E silenciada pela ignorância. Também foi livre; Falou verdades e mentiras, Cantou, protestou, recitou poemas, assoviou... Atentes para meus ouvidos Que logo não ouvirão mais nada, no entanto, não se importam; Já captaram sons e vozes de todas as espécies; Ouviram palavras de ordem, de humilhação, de desaforos... Mas também ouviram sábios conselhos E sussurros arrepiante de soberbos lábios. Sintas as minhas mãos que em instantes se cruzarão perenemente; Entretanto, não se importam; Já foram calejadas pela ferramenta de construção E prestou continências; Mas já tocaram e acariciaram a pele macia do rosto da morena E bateram palmas, escreveram versos, prosas... Repares o meu corpo que daqui a pouco, Tu o imobilizará para sempre; Todavia, não se importa. Já foi cicatrizado pela violência; Envelhecido e marcado pelo tempo, Mas também já estremeceu de prazer E deliciou-se de longos e extasiantes orgasmos. Vê, D. Morte? Não me importo de ir contigo. Já vivi tudo que tinha direito: Fui operário, Poeta; Senti fome, dor, amei, odiei; Fui humilhado, detestado, admirado, Ri, chorei, pequei... Vem, estou pronto! Cubra-me com teu manto negro E envolva-me em teu silêncio mortal, Por que eu não me importo!
Francisco Piedade
Enviado por Francisco Piedade em 12/11/2009
Alterado em 02/11/2020 |