DESEMPREGO: O EMPREGO DA PALAVRA.
Eu era um cara que deveria ter sido feliz, porque tinha um emprego, um tipo cidadão respeitado e ganhava oito mil Reais por mês...
Era um cara alegre e satisfeito da vida porque morava em Brotas consegui comprar um Fiesta 2006... Bem, eu era assim, sabe? Igual àquela música do Raul Seixas. É isso aí. Sim eu era feliz. Tinha dois filhos maravilhosos, uma linda, compreensiva e dedicada esposa, uns amigos bacanas, uma fiel e devotada empregada. Mas eu dizia para todos que ela era nossa colaboradora, sabe como, né? A gente tem que ser humilde. A gente era uma família unida. Os Americanos têm aquela coisa de típica família Americana, acho que a gente era algo assim Brasileiro. No trabalho tudo andava às mil maravilhas. Trabalhava há treze anos em uma multinacional de grande porte e era chefe de setor. Atuava na área de controle de estoque. O Sr. Jeremias era o supervisor. Coitado, era cardíaco e já tinha tido vários ataques. Haviam rumores de que ele não resistiria por muito tempo e, se ele morresse, eu seria indicado para ficar em seu lugar. Mas Deus me livre e guarde, não queria nem pensar nessas coisas. Queria progredir com meus próprios esforços e não às custas da desgraça de outrém, mas se acontecesse... Vejam só: Na rua onde morava os vizinhos eram muito unidos e fraternais comigo. Diziam que eu era o único a quem eles pediam dinheiro emprestado -Frequentemente não pagavam- e quase sempre me visitavam para tomarmos aquela cervejinha geladíssima, saborear aquele churrascão esperto, contar piada e coisa e tal. Meu relacionamento era ótimo com os demais moradores. Às vezes nas sexta-feiras à noite a gente se reunia para bebericar no bar mais freqüentado do bairro, cujo dono, o Roque fazia questão de falar para todos ouvirem que pra mim vendia fiado tudo que eu quisesse, inclusive o próprio bar. Sábado era dia do “BABA” e apesar de reconhecer que não jogava porcaria nenhuma, os amigos me disputavam para que eu jogasse do lado do time deles. Até mesmo quando chegava atrasado minha vaga era garantida. Após o jogo, a cerveja no bar do Roque, era sagrada e por minha conta, para compensar a lealdade dos companheiros, é claro. Às vezes eu me olhava no espelho e francamente, não me achava bonito. Mas não é que umas menininhas do bairro andavam me dando bola e, não tou falando de futebol não, se insinuavam mesmo, mas eu respeitava a Dolores (Minha esposa) e eu tirava só onda com elas. É, assim era minha vida. Achava que seria feliz para sempre. Um dia, me lembro como hoje, fui chamado à gerência. Era uma terça-feira, dia normal, estava tudo normal. Quando entrei o gerente muito gentilmente me mandou sentar e me ofereceu café e indagou sobre minha família, aí pensei: Será que é promoção? Mas seu Jeremias não morreu, o que será? Aí o gerente começou a falar: - Bem Sr. Vicente, o Senhor tem 12 anos de casa. - Treze. – O corregí. -Treze, isso mesmo – Confirmou. E é um ótimo funcionário,- pausa - porém a situação de nosso país nos obriga a tomar decisões alheias à nossa vontade.-Pausa de novo- O que quero dizer, Sr. Vicente, -Prosseguiu- é que a nossa empresa decidiu dispensá-lo. Compreenda, a crise não tem coração. Pois é, aconteceu assim. No início até que não foi tão ruim. O dinheiro da indenização e FGTS deu pra manter meu padrão de vida durante alguns meses . Mas sem conseguir emprego as coisas começaram a se complicar. E foi quando o dinheiro acabou que meu pesadelo começou. Começando pela empregada, digo a colaboradora. Soube depois que ela disse a uma amiga que foi embora porque a geladeira estava constantemente vazia, não tinha feijoada aos domingos e estava com dois meses de salários atrasados. Minha dedicada e compreensiva esposa já não era mais a mesma. Vivia brigando e implicando comigo. Falava que era a mulher mais infeliz do mundo. Estranhamente passou a ter dores de cabeça na hora de agente dormir e não mais me acordava como antigamente com o tradicional beijinho de bom dia. Agora era assim: -Levanta Vicente! São seis horas. Vai procurar trabalho! Os meus maravilhosos filhos pareciam não mais me admirar. Quase nem falavam comigo. Diziam que estavam chateados porque vendi o carro e eles não gostavam de ir à praia de ônibus e, que também, não lhes dei presente no Natal e tiveram que ir para escola pública. Meus vizinhos além de não me visitarem mais para um papo, me ignoravam. Quando lhes cobrava o dinheiro que me deviam, irritavam-se. Os amigos quando passavam por mim na rua baixavam os olhos ou mudavam de calçada. No bar do Roque o pessoal não falava comigo e me deixava sempre de fora da conversa, a propósito, um dia pedi ao Roque 1 quilo de farinha e uma lata de sardinha para pagar quando arranjasse trabalho, ele disse que não dava porque as coisas não iam bem e que eu não levasse a mal. No “BABA”, era escorado. Não me escolhiam nem para pegar no gol, mesmo sendo o primeiro a chegar. As garotas da rua, aquelas que antes me cortejavam, agora não me davam nem mesmo um bom dia. Certo dia encontrei na rua um ex colega de trabalho: - Oi Vicente! Como está? - Bem, respondi. Puxa, rapaz! Como você está magro, abatido, parece que envelheceu 15 anos. O que houve? - Ainda não achei trabalho.- Respondí. - É, rapaz... a coisa tá preta - Argumentou. Bem, eu tenho que ir – Disse apressando-se. Até logo! Olha, Seu Jeremias morreu! – Gritou já do outro lado da rua. Essa minha fase durou quase três anos. Já estava absolutamente isolado e completamente humihado. Deus era o único que me escutava, me acolhia, me consolava... foi quando o descobri e aprendi a conhecê-lo. Mas como não há nada de tão bom que sempre dure e nem há mal que não se acabe, um belo dia arranjei um emprego e tudo indicava que meu sofrimento iria dar uma trégua e que uma nova vida começaria. Hoje todos os dias a Dolores me acorda todas as manhãs, me sorri um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã, como na música do Chico Buarque.
Francisco Piedade
Enviado por Francisco Piedade em 16/11/2009
Alterado em 19/02/2018 |